quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Minha principal busca na arte é a espiritualidade. Em raros momentos eu a encontro, porém esses encontros são, para mim, verdadeiros achados, que me causam grandes efeitos intelectuais e emocionais.
Um destes achados é este poema profundamente metafísico de Carlos Drummond de Andrade que eu reproduzo aqui.

Sonho de um sonho

Sonhei que estava sonhando
e que no meu sonho havia
outro sonho esculpido.
Os três sonhos sobrepostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.

Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço.
Sonhava que estava alerta,
e mais do que alerta, lúdico,
e receptivo, e magnético,
e em torno a mima se dispunham
possibilidades claras,
e, plástico, o ouro do tempo
vinha cingir-me e dourar-me
para todo o sempre, para
um sempre que ambicionava
mas de todo o ser temia...
Ai de mim! que mal sonhava.

Sonhei que os entes cativos
dessa livre disciplina
plenamente floresciam
permutando no universo
uma dileta substância
e um desejo apaziguado
de ser um ser com milhares,
pois o centro era eu de tudo
como era cada um dos raios
desfechados para longe,
alcançando além da terra
ignota região lunar,
na perturbadora rota
que antigos não palmilharam
mas ficou traçada em branco
nos mais velhos portulanos
e no pó dos marinheiros
afogados em mar alto.

Sonhei que meu sonho vinha
com a realidade mesma.
Sonhei que o sonho se forma
não do que desejaríamos
ou de quanto silenciamos
em meio a ervas crescidas,
mas do que vigia e fulge
em cada ardente palavra
proferida sem malícia,
aberta como uma flor
se entreabre: radiosamente.

Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era toca-lo e colhe-lo,
e sem demora sorve-lo,
gasta-lo sem vão receio
de que um dia se gastara.

Sonhei certo espelho límpido
com a propriedade mágica
de refletir o melhor,
sem azedume ou frieza
por tudo que fosse obscuro,
mas antes o iluminando,
mansamente convertendo
em fonte mesma de luz.
Obscuridade! Cansaço!
Oclusão de formas meigas!
Ó terra sobre diamantes!
Já vos libertais, sementes,
germinando à superfície
deste solo resgatado!

Sonhava, ai de mim, sonhando
que não sonhara...Mas via
na treva em frente a meu sonho,
nas paredes degradadas,
na fumaça, na impostura,
no riso mau, na inclemência,
na fúria contra os tranqüilos,
na estreita clausura física,
no desamor à verdade,
na ausência de todo o amor,
eu via, ai de mim, sentia
que o sonho era soinho, e falso.

Carlos Drummond de Andrade
ENTREVISTA CHRISTIAN LINDBERG
Publicado no site www.virtuosi.com.br

Christian Lindberg, além de ser o mais conhecido solista do mundo no trombone, é também professor, regente e compositor. Além disso tudo, ele verdadeiramente atua no palco, interpretando suas extravagantes composições e estreando diversas obras no mundo todo. Recentemente, Lindberg foi eleito pelos principais editores de música clássica da Europa como um dos maiores instrumentistas do século XX, ao lado de nomes como Milles Davis e Louis Armostrong. Lindberg se apresenta pela segunda vez no Recife, no Festival Virtuosi. Ano passado ele interpretou o “Concerto da Motocicleta”, que imita todos os sons da moto no trombone, no palco do Teatro de Santa Isabel. Neste ano, ele toca a “Kundraan”, peça de sua autoria, inédita no Brasil, composta enquanto ele esteve no Recife. Lindberg se apresenta no dia 17 de dezembro, no Festival Virtuosi, e ministra uma concorrida Master Class para mais de 100 inscritos na Livraria Cultura, no dia 19 de dezembro.Lindberg, qual a importância das suas performances teatrais nos concertos?A música e o teatro sempre tiveram uma ligação, e desde muito jovem eu tenho um interesse especial pelo teatro. Eu acredito que, nas performances, o mais importante é fazer as pessoas se comoverem e sentirem vivas - a combinação de musica e teatro é particularmente poderosa.

O que diferencia um artista especializado, que se atem a ser somente solista, ou solista e professor, e um artista múltiplo como você, que rege, compõe, toca e ensina?
Quanto melhor você for como compositor, melhor você se tornará regente, e melhor você será solista. Estes três assuntos são interligados e, enquanto você tiver energia e tempo, melhor músico você será. Ainda mais se puder ser, como antigamente, tanto um instrumentista, como um regente e compositor.
A música tem elementos que se relacionam ao intelecto, às emoções e à espiritualidade, qual deles sua música toca mais forte?
Todos os três elementos são uma combinação e têm que ter um balanço perfeito. Entretanto, se deve recordar que a música é parte de um mundo completamente diferente e abstrato, então emoções e espiritualidade podem ser o mais importante. Porém, sem a mente intelectual você se tornaria um artista muito superficial.
Como funciona a dinâmica da sua Master Class?
A pergunta estará completamente aberta a todos, e quando houver apenas alguns músicos que podem ser selecionados para tocar, a coisa importante é o ouvinte prestar atenção e aprender. Esta é a maneira ideal de comunicar o conhecimento em pouco tempo.
Lindberg, você já tocou algumas vezes no Brasil. Alguma diferença distingue o público brasileiro do público europeu?
Eu amo a audiência brasileira por ser tão viva e ter tanto poder emocional. É como uma festa cada concerto!
Como foi tocar o ano passado no Recife uma obra como o “Concerto para Motocicleta”?
Eu achei muito divertido! Foi uma ótima orquestra e a audiência estava interessada, eles não eram muito conservadores.
Você já estreou 200 obras de compositores os mais diversos. Como é a sensação de apresentar uma obra nunca antes tocada?
É muito, muito emocionante, como um passeio em uma floresta que onde ninguém já esteve. Você não tem idéia nenhuma de como a audiência irá responder e igualmente nenhuma idéia do impacto que a peça terá em 40 ou 50 anos. Por exemplo, eu nunca poderia imaginar na estréia do “Concerto para motocicleta” que eu iria tocá-la mais de 650 vezes em todo o mundo!!!